terça-feira, março 25, 2008

Puro Vintage

De lâmina em riste, António tentava não cortar a cara, nessa aborrecida empresa quotidiana de aparar aquilo que já ia sendo a sua barba grisalha.
Todos os dias, com excepção do Domingo - dia de grandes sofrimentos, vividos junto a uma fanhosa telefonia de um "esférico rolando sobre a erva", ora impiedosa, ora triunfal -, aquele era um ritual que envolvia uma certa arte de concentração, destreza, precisão e paciência.
Um marco ritual da sua passagem à idade adulta, António, lembrava-se bem do dia em que seu Pai, o senhor Zeferino, lhe disse para começar a cortar aquela "barba de mancebo", porque lhe daria um ar mais apresentável lá no armazém onde já trabalhava há dois anos como pequeno grumete.
De grumete a fiel, foi subindo na vida e estava agora responsável por todo aquele vetusto edifício de enorme pé direito e com grandes portadas de madeira de castanho.
Entre um pequeno corte e um pequeno fio de sangue, os impropérios sussurados para si próprio, apenas cessavam no gesto seguinte: mergulhava a cara na bacia de porcelana do lavatório, na água tépida previamente regurgitada por duas torneiras prateadas - uma de quente, outra de frio -, limpando os restos de creme de barbear aplicado na face, ao pincel, esperando um qualquer alívio para aquele rubor ardente.
Perfeccionista, pegava naquele balsâmico "Musgo" que se queria para a realeza, para as "Pessoas de Primeira Categorya e Qualidade" (o maior desejo de uma classe média vitoriosa), e cobria a cara de espuma, tirada em mais umas quantas conchas de água.
Em breves gestos levava à cara o verde e áspero turco atoalhado, encontrado no varão fixo ao azulejo branco da parede, olhando-se depois ao espelho com a sensação de dever cumprido e em estado de total prontidão.
Ao sair do quarto de banho, toalhão de banho aos ombros, lá ia todo lampeiro vestir-se.
No lavatório, permanecia essa gasta barra de sabonete com óleo de côco, o mesmo desde os seus tempos de petiz. Um "must" ainda muito antes de nascer tal conceito, mas que dava aos dias úteis um sentido de confiança, de permanência e de certeza de que iria ser sempre assim.
Os clássicos em espuma no seu melhor.

(Um mote para uma suave pena)

domingo, março 23, 2008

No Gira Discos



A banda sonora perfeita - porque acolhedora - para este gélido início de Primavera. Também nos traços suaves de uma certa pena.

(Rita Redshoes - Dream on Girl)

sábado, março 22, 2008

Ainda os malandrecos

Até que enfim alguém com sapiência e genuína prudência para encarar os acontecimentos no Tibete como uma questão de grave ameaça aos Direitos Humanos.
Mas, lá está, realmente sempre também o povo disse que "o pior cego é aquele que não quer ver".

quinta-feira, março 20, 2008

São uns malandros


Lá diz o velho ditado que "em casa de ferreiro, espêto de pau"... Mais uma vez o povo tem razão!
De facto, tem tanta razão o povo quanto maior me parece ser, salvo o devido respeito, a hipocrisia desavergonhada de quem se diz seu mais acérrimo arauto. Quando interpelado sobre os últimos confrontos no Tibete, Jerónimo de Sousa - Secretário-Geral do Partido Comunista Português - aconselhou "prudência" .
Perante tais declarações apenas me ocorre dizer: "Francamente!"
Que as informações acerca dos confrontos são contraditórias, como afirma na notícia citada, podemos aceitar; não podemos é ficar por aí. Certamente, saberá o senhor secretário-geral que assim acontece apenas porque o governo chinês o deseja; a máquina de contra-informação é agora mais perfeita que nunca, tendo refinado a propaganda com alguns toques de inevitabilidade - ninguém se atreve a protestar contra uma super-populosa China em ascensão, assente num absurdo sistema económico dualista (onde, ironicamente, o capitalismo é o verdadeiro elemento essencial).
Contudo, o que é certo e bem o sabe o senhor secretário geral, é que a ocupação do Tibete pelo Estado Chinês é uma ocupação ilegítima e contrária a todos os princípios de Direito Internacional Público que o mesmo diz respeitar.
Pode o senhor secretário geral estar esquecido de que existe um compromisso, tacitamente aceite pelo "Concerto das Nações", de não reconhecer quaisquer aquisições de território que tenham na sua base o uso da força bélica? Esquecido não está, certamente. Apenas não é conveniente tê-lo presente, por ora.
No que toca à justificação que encontra para tanta violência no Estado do Tibete - que a mesma apenas resulta da vontade de uns quantos em sabotar os Jogos Olímpicos de Pequim - uma vez mais é patente que fica o senhor secretário-geral, providencialmente, a meio caminho.
É que certamente tem consciência que não é a sabotagem gratuita que aqui está em causa. Se grupos tibetanos alegadamente tomaram a também discutível decisão de recorrerem à violência em tal altura crucial - a poucos meses de o Fogo Olímpico poder ser visto da Cidade Proibida - é porque, certamente, vêem, no limite, essa janela de oportunidade como a mais apropriada para se fazerem ouvir; ainda que não, eventualmente, da melhor maneira, repita-se!
De qualquer modo, custa-me a crer que monges budistas constituam uma qualquer força agressora temível e capaz das maiores atrocidades. A acreditar preferencialmente no Dalai Lama, que, ao contrário do que o senhor secretário geral quer fazer crer, não abandona o seu povo, e conhecendo alguns rudimentos da filosofia budista, terão sido certamente mais as manifestações pacíficas do que as violentas. Mas o senhor secretário geral verá, quanto a mim, até nessa filosofia pacífica um perigoso ópio que afasta o povo dos verdadeiros propósitos de um Estado que todos devem venerar.
O que é certo e o senhor secretário geral também o sabe é que a violência existe no Tibete; tal como existe a tortura e o genocídio cultural de todo um povo pacífico. E tudo a favor de um Estado que vai sobrevivendo e preserverando em tais vícios porque assenta a sua actuação em duas faces de Jano.
"Um país, dois sistemas" - eu pergunto: Onde ficam agora a infra e a super-estrutura? No meio das suas contradições insanáveis, naturalmente!

terça-feira, março 18, 2008

Chuvas da Estação



Para tardes de chuva...

(Michael Nyman - The heart asks the pleasure first (The Piano - OST)


Também para suaves glosas.

quarta-feira, março 12, 2008

Emancipação


E lá foi o Dia Internacional da Mulher uma vez mais festejado, no passado Sábado. Rosas, jantares de grupo e saídas com a marca implícita de "Girls Only" - tudo isso a contribuir para a cor local que preencheu o País, um pouco por toda a parte.

Um marco da luta pela emancipação e reconhecimento dos mais básicos direitos democráticos, cívicos e pessoais das mulheres, o sentido esta efeméride sempre passou, a meu ver, pela natural e merecida homenagem a todos os movimentos que levantaram barricadas em tal combate, frequentemente desigual; procurando, por outro lado, dar um alerta para o incumprimento ainda latente de muitas obrigações assumidas e devidas pelos poderes públicos soberanos e eleitos em sufrágio, lá está, universal.

Quer-me, pois, parecer curioso, o rumo que foi dado a tais comemorações, numa pequena vila deste jardim à beira-mar plantado.

De facto, nesta tal simpática vilazinha da Sertã - mais recentemente em destaque devido ao jogo para a Taça de Portugal, que opôs o Sertanense ao FCP - a homenagem pública que a edilidade decidiu levar a cabo teve como protagonistas "quatro mulheres do concelho da Sertã cujo percurso de vida foi marcado pelo sacrifício de criar uma descendência familiar maior que o habitual". Nas palavras do Presidente da Autarquia "esta homenagem afigura-se como uma forma de demonstrar consideração e estima pelo papel desempenhado pelas mulheres na sociedade, em especial à mulher-mãe”.

Ora, primeiro que tudo, entendo por bem deixar claro que o fruto desta minha inusitada curiosidade nada tem que ver com a verdadeira bondade de tais intenções. Na verdade, tenho para mim que tais preocupações foram mesmo valoradas a ponto de se sentir necessidade em premiar os referidos percursos de vida.

Contudo, ao ser-me permitida a crítica, não posso também deixar de entrever aqui um caminho que se abre para um paternalismo que em nada se coaduna com os propósitos de um fenómeno (precisamente, o da emancipação feminina) que sempre se mostrou em contra-corrente com tal estado de coisas, ora posto em destaque por via da referida homenagem. É que, na verdade, a realidade social que deu origem a tais experiências vivenciais sempre correspondeu a quadros familiares em que a mulher se encontrava num estado de pura subjugação, objecto - nunca sujeito - dos mandos e desmandos do chefe de família - o único a quem seriam reconhecidos, de modo pleno, todos os direitos civis.

Entenda-se também - em tempos tão exigentes nos moldes em que a opinião é expressa - que não me refiro em especial ou concreto a nenhuma das homenageadas.

É, pois, apenas um exercício de reflexão este que proponho:

Pelo menos três destas quatro mulheres viveram numa época em que, caso tivessem manifestado vontade de ganhar o seu próprio salário, precisariam sempre da autorização do marido para assinar um simples contrato de trabalho - assim estava previsto no Código Civil, antes da sua Reforma em 1977.

Pelo menos três destas quatro mulheres, caso tivessem sido vítimas das piores formas de coacção moral, psicológica ou mesmo sexual e decidissem sair de casa, poderiam ainda vir a ser sujeitas a uma maior humilhação pública: também o Código de Processo Civil anterior à Revolução de Abril, previa um expediente processual que se dava pelo nome de "Processo para Entrega de Mulher Casada".

Pelo menos a três destas quatro mulheres, pouca ou nenhuma legitimidade processual era reconhecida nos processos de divórcio - algo que sofreu igualmente profundas alterações legislativas, a partir de 1977.

Pelo menos três destas quatro mulheres foram contemporâneas de outras tantas que certamente passaram por tais dificuldades, criadas por um sistema que pouca ou nenhuma dignidade constitucional reconheceu a tais direitos fundamentais "no feminino".

E, por outro lado, que dizer da total ausência de uma verdadeira política de planeamento familiar e educação sexual, nunca assumida por poderes autoritários de tempos idos e tributários de um certo regime confessional conservador?

Enfim, apenas me parece pertinente deixar bem claro que, na minha opinião, o Dia da Mulher tem como propósito homenagear algo mais do que o eventual resultado de um possível, porque naqueles moldes concebível, estado de opressão que é para todos nós hoje tido como impensável, tacanho e retrógado.

Contudo, volto a repetir: a intenção é louvável e não deixa de ser um começo para a correcção de tudo aquilo que ainda faz parte de uma realidade social que não proporciona o mesmo tipo de igualdades ou apenas impõe uma redutora opção, porque não colocada num plano de livres escolhas.

Dizendo de outro modo, a maternidade - também hoje mais do que nunca a merecer um olhar atento do Estado Social, no sentido da criação de condições para o seu livre exercício - não tem de ser a única escolha possível.

É apenas uma escolha entre todas aquelas outras que às mulheres deve ser reconhecida, porque pares de pleno direito desta nossa "res publica".

Se assim não se pensasse, de que serviria a palavra "emancipação"?

À beira da Catedral, na esplanada, um debate de ideias.

quinta-feira, março 06, 2008

Olha, é o House, não é?


E antes de ser Doctor House ou mesmo o Zé Pesca (como, de resto, aqui se mantém), já Hugh Laurie era um bom artista, agradando qualquer um que o visse a trabalhar.

E também se ri aqui.

segunda-feira, março 03, 2008

Urban Style

E porque na esplanada à beira da Catedral também se aspira a um estilo de vida decididamente urbano, sofisticado e viciado no puro bom gosto, a sugestão literária de hoje é dedicada a esta Revista.

Moda, design, arquitectura, conceitos - tudo junto num excelente exercício de fusão bem conseguido.


O grafismo (acompanhado por uma objectiva fotográfica certeira) procura dar o destaque que as notícias merecem. Ao contrário de outras tantas publicações - lusas, claro está - a Wallpaper não se detém na sede de protagonismo de quem nela escreve, procurando, isso sim, dar a conhecer o que de melhor se faz na Europa e no Mundo.

As ideias são o que realmente conta, fazendo acreditar que é mesmo possível voltar a outros tempos onde o espírito criativo tinha o poder de mudar mentalidades, convenções e até políticas.


De facto, conseguíssemos nós trazer de volta o Renascimento e na capa desta revista teríamos o loft de Leonardo Da Vinci, o estúdio de Miguel Ângelo e as capas dos discos que eventualmente Rafael ouviria enquanto pintasse.


A Wallpaper é assim - um canhenho de ideias que adquirem forma, volume, tempo e profundidade.


Um "must" nas mesas desta esplanada e também desenhado à Pena Suave.