quinta-feira, janeiro 10, 2008

Direito de Resposta

É numa certa linha de serenidade argumentativa, a encapotar um qualquer programismo higienista, que este artigo, a meu ver, se insere. Tudo porque, por um lado, nenhum fumador, pelo menos pelo que tenho lido e conversado, pensa como este senhor antropólogo diz pensar - nenhum fumador entende ser esta lei algo de verdadeiramente violador dos seus direitos fundamentais, era só o que mais faltava.
O que os fumadores entendem, e apenas por mim posso falar, é que se verificam dois defeitos nesta lei. Dois simples mas preocupantes defeitos:
1. Tal como o senhor antropólogo soube reconhecer, para lá das adjectivações que achou por bem empregar (é sempre bom contar com o diáfano manto das metáforas, para não dizer o que realmente se quer), existem lacunas na lei, relativamente aos aspectos concretos em que se pode praticar o regime de excepção conferido.
De facto, consagra-se a possibilidade de escolha do proprietário de um estabelecimento com uma área inferior a cem metros quadrados, entre ser aquele espaço para fumo ou livre do mesmo. Tudo o que tem de possuir é o tal equipamento de extracção autónoma de fumo.
Contudo, é aqui que se nota uma certa má-fé de quem legisla: um ano, se não mais! Um ano, senão mais tempo, tiveram os autores da presente lei para que com a mesma tivesse sido aprovada a respectiva regulamentação, incluindo a homologação de um equipamento, fosse ele qual fosse. É que, na verdade, e sei porque falo com alguns proprietários de estabelecimentos, o que tem vindo a imperar é uma incómoda dúvida por parte daqueles - ninguém sabe ao certo qual exaustor devem comprar, uma vez que as entidades competentes pela fiscalização (nem a elas lhes compete, certamente), nenhuma informação possuem. Devido a quê? Lá está, à lacuna.
Foi, assim, com este plano engenhoso que a inteligência higiniesta conseguiu o falso sucesso desta lei: muitos estabelecimentos optaram pela opção FUMO ZERO, porque tacitamente coagidos, não querendo arriscar, de modo nenhum o pagamento de pesadas coimas. Acredite o senhor antropólogo, quando fala do Café Tropical, que a sua frequência de fumadores rondará os noventa por cento! Certamente que o proprietário começa a sentir os efeitos. Não há sinais de fumo, nem de consumo!
E sabe também o senhor antropólogo que o café de excelência da vida universitária dos seus colegas, mesmo ao lado do Café Tropical, tinha esse mesmo tipo de clientela. Dois cafés tipicamente universitários, que, não querendo discutir qualquer mérito desta iniciativa legislativa (nunca foi o caso), provavelmente teriam querido que o senhor tossisse à vontade ou usasse a esplanada, mas que também não abdicariam da sua clientela habitual - que é fumadora sim! E fumar não é doença! Ninguém rouba, mata, viola ou extorque para fumar! PAGA IMPOSTOS, ISSO SIM!
E isso também não se contesta.
Em resumo, os fumadores apenas exigem uma regulamentação clara - uma regulamentação que a lei prevê e que, lá está, protege os seus direitos!
2.
Um segundo ponto que se revela preocupante é que agora se dá a todos o direito, que antes nem se pensava poder ter, de se intrometerem na vida de quem fuma. E não se fala em denunciar infracções. É correcto que se o faça. Embora também não acredite, para infelicidade dos não fumadores, que haverá assim tantas prevaricações. Como disse, não somos criminosos. Do que falo é do semblante com que agora somos vistos nesse ar livre, onde certamente o carro do senhor antropólogo liberta a flatulência mecânica: somos vistos como criminosos.
Isso mesmo me confessou uma empregada da pastelaria que costumo frequentar acerca de uma cliente, UMA SEMANA ANTES DO NOVO ANO! "Olhavam para ela como um criminosa!"
É disto que falo, do gosto que este povo tem, habituado assim, infelizmente durante mais de 40 anos, em ser delator, cioso do seu indicador de unha ruída, alimentando-se voyeuristicamente da suposta desgraça dos outros. Enfim, pode ter a certeza o senhor antropólogo que ninguém fumará ao pé dele... Quer dizer, se conseguir alguma bolsa de estudo para estudar os Índios da Amazónia talvez apanhe com uns fumos (já Cristóvão Colombo e os nossos Descobridores falavam de tal hábito relativamente aos ameríndios) - olhe, talvez assim consiga ter uma visão diferente.
De resto, concordo com a lei e ainda mais com a sua urgente regulamentação!

4 comentários:

Girolamo Savonarola disse...

Senhor Viriato: em primeiro lugar pode tratar-me por Francisco e deixar os paternalismos de lado que não há grande paciência para isso (não gostava, de certeza, que eu tratasse sempre por senhor advogado estagiário).
Não contesto o seu direito de resposta, como é óbvio. Assim como não contesto que possa fumar, como e onde bem entender. Não acho mal que os estabelcimentos possam optar por terem salas para fumadores. Mas, e disso não abdico, acho hipócrita a atitude de alguns fumadores que agora criticam esta lei e que anteriromente não se preocuparam com as liberdades e os direitos dos não fumadores. É essa a tese central do meu artigo (é verdade, as metáforas dizem mais do que parecem, meu amigo). Conheço muito bem o Tropical e o Académico, sou frequentador há muitos anos do primeiro, tenho lá ido e não notei que estivesse vazio, antes pelo contrário. Não acho que os fumadores sejam criminosos (mas eu digo isso???) ou doentes ou seja o que for. Apenas que têm que se preocupar um pouco com que mnão fuma nem quer fumar. Por fim, dou aulas numa instituição universitária, logo, não preciso de roubar, de viver às custas dos meus pais ou de bolsas para ir estudar os índios da Amazónia. Um pouco de respeito ficava-lhe bem. um bem-haja e apareça n tropical que eu pago-lhe um fino pela ofensa que cometi no artigo.

Anónimo disse...

Senhor Francisco:

Primeiro que tudo, obrigado pelo seu comentário ao meu "post". Li-o e reli-o por forma a poder esclarecer, agora, alguns dos meus pontos de vista ali expressos e que suscitaram em si alguma inquietação (à falta de melhor termo e sem qualquer intenção pejorativa).
Assim sendo, nunca em momento algum dei a entender ou sequer manifestei ter sido sujeito a qualquer ofensa perpetrada pelo que escreveu no seu artigo de jornal, pois realmente também eu sei que não era disso que se tratava. A sua posição em relação à situação actual compõe-se certamente de elementos descritivos e outros tantos mais críticos - a que, realmente tem direito.
Contudo, penso estar, enquanto fumador, no meu direito de defender a minha posição sem que a mesma tenha de ser apelidada de hipócrita ou excessivamente exarcebada. Na parte que me toca - exclusivamente a mim, repito - eu apenas me insurjo contra o facto de a presente lei do tabaco se encontrar em vigor desacompanhada da respectiva regulamentação concernente ao regime de excepção, consagrado para os espaços que optem por ser áreas para fumadores. Não vejo, pois, o que terá isso que ver com qualquer tipo de preocupação, devida diga-se (por uma questão de respeito - e acredite que tenho muito!), a ter por quem não fuma. A lei conferiu novos direitos, é certo. Mas também - como não podia deixar de ser - consagrou regimes de excepção e condições de exercício para os mesmos. Agora, lá está, não posso aceitar que ainda não haja densificação e concretização legal dessas condições. Falo, como falei, por exemplo, da falta de homologação de um sistema de extracção e exaustão de fumo que possa, por todos quantos o escolherem, ser instalado nos estabelecimentos que escolham o dístico azul - sem receio de virem a ser autuados por uma qualquer infracção. O que se vai passando é que o carácter lacunoso da lei, não está a cumprir com o princípio do tratamento mais favorável - apenas força muitos proprietários de estabelecimentos a uma escolha que nada tem que ver com a sua vontade inicial (se adquirem um dos vários equipamentos disponíveis mas não legalmente reconhecidos ou certificados, o seu esforço apenas conhece a punição e a subsequente alteração da tipologia do estabelecimento - de espaço para fumadores passa para espaço livre de fumo). Não são, pois, apenas os direitos dos fumadores - e têm direitos, acredite, pois pagam imposto especial sobre o consumo, por cada maço de cigarros que compram -, que estão em causa. Os direitos de iniciativa privada e de fruição do lucro obtido, pela venda dos bens e serviços de quem tem uma porta aberta ao público consumidor, também estão a ser afectados. E nisto não há qualquer hipocrisia, deixe-me que lhe diga. Não há hipocrisia na defesa de tais direitos como também não haverá na simples defesa e respeito por quem não fuma.
É para isso que devia servir a lei.
E não é só uma questão de comodidade que, assim vistas as coisas, está aqui em causa, relativamente ao transtorno que passou a existir para quem fuma - o transtorno de estar a tomar um café num recinto fechado e ter de vir para a rua para fumar. Para quem paga o seu maço de cigarros e o seu café, a regulamentação clara e efectiva dos espaços onde a coexistência dos dois vícios seja possível não pode ser vista senão como uma verdadeira exigência a ser cumprida.
Muito antes de haver respeito por quem não fuma, terá também de haver respeito por quem paga os seus vícios, gostos e actos sociais, e exige qualidade nos serviços que lhe são prestados. Tal como tem de haver respeito por quem decide abrir um bar, um café, um restaurante ou uma discoteca e pretende que na sua clientela se encontrem fumadores. O respeito que devia ser efectivado pela regulamentação em falta.
O mapa que referiu revela-se pois de grande utilidade!
As zonas onde o respeito é exigido encontram-se pois delimitadas: todos os outros bares e locais ali não constantes, serão certamente espaços onde saberemos estar, não puxando nem de um SG Filtro ou de uma qualquer cigarrilha.
Acredite-me quando lhe falo do panorama do Tropical. Podemos frequentá-lo a horas diferentes, sejam elas quais forem, mas o cenário de que fala é apenas um: fuma-se na exígua esplanada e à porta do estabelecimento. Por outro lado, o que me têm dito - deixei de lá ir por não poder fumar - é que quando chove nem se fuma nem se consome, o café fica assim para o vazio, menos composto...
Relativamente à minha resposta em concreto ao seu artigo, deixe-me repetir-lhe uma vez mais que ela não pretendia qualquer reacção contra qualquer ofensa que nunca lhe imputei. É apenas uma extrapolação, dentro dos meus direitos de livre expressão e de opinião, de aspectos que apontou - resultam da descrição do retrato social que desenhou todos os efeitos, a meu ver negativos, que a falta de regulamentação desta lei provocou. Tivesse entrado em vigor a presente lei acompanhada da sua regulamentação e ninguém teria que vir para a rua expelir os novelos "cerúleos" de fumo que refere - muitos mais espaços e certamente (porque não?) os mesmos que já frequentávamos no passado teriam prontamente optado por ser espaço para fumadores (todos equipados com o sistema de extracção de fumo devidamente certificado!).
No fim de contas, o que resta dizer é que realmente todos nós fumadores nos preocupamos com quem não fuma. Mais do que isso: respeitamos!
Repito-lhe: tenho respeito por todos na medida em que também o exijo para mim!
Mas lá está, também os poderes públicos deviam ter tido respeito por quem usufrui da excepção que os próprios consagraram a nível legislativo!
No que toca aos índios da Amazónia apenas quis realçar que o que na Europa é tido como um vício, nas Américas é um hábito que vem de tempos imemoriais, tendo sido conhecido por nós mercê das Descobertas. Restringissem tais hábitos a essas populações que nos deram o tabaco e já teríamos um clamor anti-globalização, apelidando essa medida como neo-colonialista ou qualquer coisa do género.
Por outro lado, espero sinceramente que atinja as maiores felicidades no campo profissional, seja no campo da docência ou da investigação.
Espero estar correcto quando digo que partilho consigo o repúdio que parece demonstrar por tudo quanto seja inutilidade e indigência social.
Agradeço-lhe por fim a referência que fez à ocupação profissional que consta do meu perfil. Dadas as mudanças recentes, merece aquele a respectiva actualização.

Um destes dias, combinamos a tal ida ao Tropical, se lhe aprouver. Faço eu questão de lhe pagar um fino ou um café. Teremos é de ficar na esplanada. Faça chuva ou faça sol!
Um grande Bem-Haja!

Girolamo Savonarola disse...

Fica então combinado esse café ;)

Anónimo disse...

Acredite, é com imenso gosto! Gosto de boas tertúlias e, como já se deu conta, de esplanadas com história e estórias para partilhar, debater. :)