segunda-feira, fevereiro 16, 2009

O Clubinho

Na década de oitenta, era eu um petiz com dez anos, surgiu um programa estatal chamado Inforjovem.

Produto de algumas mentes governativas da altura, o "Inforjovem", ao lado do "Cartão" - também Jovem - e dos programas ocupacionais para, precisamente, jovens e desempregados, marcava o início da modernização de um País, recém-admitido na Comunidade Europeia, que tentava superar aquele bicho estranho do "atraso estrutural", ainda tão, ironicamente, presente.

A sua finalidade era das mais louváveis e consubstanciava um dos mais importantes contributos para aquele tal esforço de modernização. De facto, dar a conhecer e ensinar os rudimentos da informática, numa altura em que nada do que estava disponível na área do software e hardware se revelava intuitivo ou até mesmo acessível em termos de gastos, só poderia querer dizer uma coisa: é compromisso sério e desígnio nacional que a todos os que virão a constituir uma parte considerável da população activa, no futuro próximo, seja proporcionado uma formação sólida e válida numa área que será preponderante na vida de todos, nos anos vindouros.

O Inforjovem assentava no financiamento comunitário, proporcionado pelos primeiros Quadros de Apoio concedidos ao Estado Português. A formação de monitores estava aberta a quem se candidatasse - de acordo com as condições legal e previamente estabelecidas -, havendo direito a remuneração. Na dependência do Instituto Português da Juventude, foram bastantes aqueles que manifestaram o seu desejo de pertencer ao projecto. E, aí, tenho para mim, foi quando tudo começou.

É que, não sei se é uma questão de mentalidade ou algo do género, mas neste pequeno jardim à beira-mar plantado, houve sempre uma certa propensão à constituição de esquemas "feudais" em que apenas alguns se apropriam - seja por influência, seja por posição, seja só porque sim - de tudo aquilo que, à partida, deve ser de todos. Mais, são esses mesmos sujeitos que, vêm, mais tarde, no que parece ser um gesto de benevolência e magnanimidade, dizer "isto é para todos... mas sob a nossa 'orientação'".

E, na verdade, com o Inforjovem parece-me que foi isso que aconteceu. Tal como sempre me pareceu que quem se associou ao projecto, soube insistir na suposta necessidade de contar sempre consigo. Como se o exercício de uma certa função fosse um direito inato apenas concedido a alguns "iluminados" - os "senhores da informática", que, nunca ninguém sabia muito bem de onde apareciam.

E o que sempre senti como escandoloso era o facto de essas mesmas pessoas estabelecerem regras não-escritas de admissão ao que se tinha tornado um "clubinho" de alguns. Realmente, não consigo entender de outro modo o facto de várias vezes ter-me inscrito num desses cursos de informática e, só à terceira vez, após insistência, ser-me cedido, qual graça ou privilégio, um lugar na turma em que tinha de partilhar um Amstrad, sem disco rígido, com outro colega.

Todo este desabafo pessoal, dando um qualquer mote introdutório, apenas serve para dizer que, ao que parece, o panorama não mudou assim tanto.

Num tempo em que a web é a linguagem de todos os dias, em que os Magalhães povoam as escolinhas e em que a experiência democrática passa pela rápida e fácil acessibilidade ao que sempre gostaram de chamar de "tecnologias da informação", aqueles senhores feudais, ainda que com outras caras e outro aspecto mais lavadinho, vêm insistindo em manter o seu lugar, ou a ilusão de um certo protagonismo, desesperados. "Se isto nos foge das mãos, é o desgoverno", devem, julgo eu, certamente pensar.

A prova mais gritante que serve para confortar a minha tese está numa frase que li no Twitter, há dias. Dizia alguém algo como "os novos ainda não sabem bem como isto funciona". Atentemos no seguinte:

1. O Twitter é uma rede social, como tantas outras existentes no ciberespaço, em que, à partida, ninguém realmente se conhece. Pessoalmente, já uso o Twitter há dois anos, e ainda cheguei a usufruir do sistema de updates por sms - algo que agora é incomportável - juntamente com um grupo de amigos
2. O seu acesso é gratuito e livre.
3. A todos os ali registados é garantido o direito à livre expressão - ainda que telegráfica - dos seus pensamentos e opiniões, apenas obedecendo às regras estabelecidas pelo fornecedor do serviço, para todos os efeitos, internacional.

Ora, de acordo com tais premissas, a distinção entre "novatos" e "antigos" é espúria e completamente idiota.

Não há nem tem que haver, como desejam alguns a meu ver, postos por antiguidade ou uma qualquer hierarquia a favor de quem se quer, simplesmente fazer notar para ganhar a vida.

Por outro lado, o destaque que alguns dão a este serviço de web 2.0 - uma coisa que já não é assim tão nova e complexa como querem fazer crer - leva muitas vezes a que um observador normal, que simplesmente não tem paciência para navegar muito, acredite que são tais sujeitos, portadores da novidade, os verdadeiros autores do invento.

Dito por outras palavras, abomino quem agora venha dar notícia de uma "coisa muito gira" ao mesmo tempo que tenta criar e impor as suas regras a todos os outros que, à partida, porque com net em casa e computador, são tidos, para o fornecedor do serviço, como sujeitos seus iguais.

E se se tornar difícil perceber o que estou a tentar dizer, apenas peço que se lembrem do que aconteceu com a invenção da imprensa. Se anteriormente ao Senhor Guttenberg, apenas os monges e membros do clero detinham o poder do conhecimento - sendo até considerados por errónea associação como os Autores da "República", ou da "Comédia", ou qualquer outra obra da Antiguidade -, depois do aparecimento massivo das primeiras prensas mecânicas, isso mudou radicalmente. O que veio, precisamente, causar algum desconforto e feridas de orgulho - quando não outras mais graves - a quem se achava perpetuado numa qualquer posição de arauto.

E mesmo se quisermos um exemplo mais recente, olhe-se para a blogosfera. Hoje em dia, há quem se dê ao trabalho de recomendar blogues, quase como que elaborando uma "Vulgata" do que deve ser lido, estreitando o espírito crítico, o gosto pessoal, limitando o que deve ser uma experiência livre e acima de tudo esteticamente íntima.

Por tudo, penso ser apropriado concluir, em modo de protesto: "Abaixo o Clubinho! Computadores para o Povo! A net é de quem nela navega!"

Um manifesto na Esplanada.