quarta-feira, janeiro 27, 2010

O Clubinho #2 ou "Low Cost on Ethics, a Brief Approach"

A primeira vez que andei de avião - confesso-o sem qualquer traço de vergonha pelo pecado contra a sacrossanta ordem da futilidade -, foi aos dezassete anos. Destino: Estrasburgo, França, pela Air Liberté, uma companhia que não sei ao certo se ainda existe. O propósito de tal viagem era uma visita ao Parlamento Europeu, prémio máximo do Programa Euroscola '96.

Num tempo ainda bem longe do 11 de Setembro e de todas preocupações securitárias de agora, essa primeira viagem de avião foi como a de um petiz que entra pela primeira vez num centro comercial ou numa simples loja de doces.

Digo-o com franqueza. Tudo era novo, tudo era motivo de interesse.

Havia champagne à discrição, almoços completos - a bela da comida pré-cozinhada e ali aquecida -, café instantâneo, água quente para chá em pequenas embalagens de plástico, talheres de metal e até copos de vidro com o símbolo da companhia.

A simpatia das hospedeiras e dos ainda comissários de bordo apenas projectavam para uma escala maior aquele sentimento de pertença a um grupo que, até então, me tinha habituado a ver como restrito - o grupo das pessoas que viajavam mais longe do que até ao Algarve, ou pelo país, o grupo das pessoas que iam até ao "estrangeiro".

Tanto a viagem de ida, como a de regresso, foram experiências afortunadas e recordo-as com saudade. Para mais porque, pela primeira vez, pude disfrutar das lojas duty-free dos aeroportos onde permaneci algumas horas, conhecer os procedimentos de check-in e saber o que era um press centre, com aqueles jornais de que eu só ouvia falar: Finantial Times, The Herald, The Daily Telegraph, Le Monde. Nessa idade apenas assinava a TIME, que me chegava até casa pelo correio. No fim de tudo, como já disse, senti-me Feliz.

Era mais uma experiência - há muito tempo aguardada - que tinha vivido.

Após ter ido, no ano seguinte, a Paris, já por estrada, comendo quilómetros atrás de quilómetros, foi só em 2005 que, pela primeira vez, voei com a TAP, desta vez para Bruxelas. E também foi a primeira vez que tive contacto com o provincianismo de que tinha sempre ouvido falar relativamente à companhia nacional.

De facto, ainda em '93, numa capa da Revista Vida #3 do Independente aparecia uma velha fotografia de um dos voos inaugurais da transportadora aérea nacional, em que uma garbosa hospedeira assomava à porta de um avião metalizado. O artigo, com uma perspectiva mais lúdica, procurava dar uma perspectiva histórica da empresa e estava relacionado com o noticiado período de turbulência que então se vivia entre pessoal de terra e administração, tendo sido os pilotos, segundo o que me recordo, a deitar por terra as esperanças depositadas numa greve por aqueles primeiros anunciada.

A impressão com que nessa altura fiquei foi a de sempre. A TAP era um mundo à parte, apenas ao alcance de pessoas, por exemplo tios e primos meus, com dinheiro suficiente para partir à descoberta de outros destinos e de outros mundos. Se viajar de avião era um privilégio um tanto ou quanto difícil de conseguir, trabalhar, fosse no aeroporto, fosse nos aviões, dava uma aura de respeitabilidade e de sucesso na vida que era difícil de igualar.

Ou seja, persistia, para mim, um certo salazarismo em tal estado de coisas: isto é só para alguns e não para qualquer um. E se quisermos ser francos, o preço proibitivo das passagens, que ainda hoje se mantém, procedia a esse fraccionamento do mercado no espaço.

Consequentemente, comecei a notar esse contangiante elitismo nas caras que fui vendo ao entrar para o avião, em 2005, numa quente tarde de Junho. Principalmente nas hospedeiras. Não sei se alguém já reparou, mas as hospedeiras da TAP ainda se vestem numa linha muito ao estilo dos anos cinquenta, quando se pedia das senhoras serem mais do que empregadas de mesa, ainda que no ar. E foi uma delas que, não me conhecendo de lado nenhum, suspirou de enfado, ao estender-me o tabuleiro do café e ao ter visto que eu me atrevia a tirar uma embalagem de leite para lhe juntar. Penso sinceramente que deve ter concluído ser eu algum pacóvio que andava de avião pela primeira vez.

Tal snobismo bacoco apenas foi superado por aquela que parecia a matrona delas todas e que venho a constatar ser uma presença constante em qualquer vôo - tipo alien-rainha ou abelha mestra. Os seus traços notam-se ao longe: é mais velha que as outras, mais feia, azeda q.b., anda de luvas pretas e olha para os passageiros num semblante selectivo, tirando as conclusões necessárias a um tratamento diferenciado entre repetentes e candidatos a baptismo de voo.

Ora, tomado este estado de coisas e a minha opinião pessoal relativamente às pessoas com quem, agora um pouco mais frequentemente, costumo ter contacto nas cabines dos aviões, esta história recente, de determinados pilotos terem trazido para o Facebook a sua indignação por se verem forçados a partilhar o seu espaço nas nuvens com povinho que até pode muito bem estar num avião pela primeira vez, em nada me surpreende. O "Clubinho" é, acima de tudo deles.

A hierarquia está definida: Pessoal de Terra ----> Pessoal de Bordo ----> Pilotos - os supra-sumo. Não quero com isto negar que, realmente, ter apetência para os comandos de uma máquina voadora dá um certo estatuto, indiscutível, de elite.

Contudo, é sabido que o melhor sinal de nobreza de um espírito maior é a humildade.

Em minha opinião, nunca ninguém se deve deslumbrar muito consigo próprio, porque, para lá de qualquer imperativo moral - nos quais tenho pouca confiança -, é, simplesmente piroso! Deste modo, pergunto-me agora se, por castigo ou coincidência, este tal curso de ética valerá de alguma coisa para estas pessoas. Estou inclinado a responder que não.

A ética que não se tem no berço, não se adquire por certificado. E do que aqui se trata, parece-me, é de uma questão de educação, de polimento, de noção do ridículo e do socialmente aceitável que apenas se cultiva dentro de um ambiente imune aos interesses que, entretanto, foram promovidos pela própria TAP, numa abordagem de elitismo tout court e dissociante do resto da comunidade, a começar pelos próprios clientes (que não são mais que isso).

A melhor prova disso mesmo está aí, nesse jeito impertigado de protestar contra um "downgrade" na classe.

Os privilégios na aviação estão a acabar para o comum das pessoas. A democratização das viagens aéreas é um caminho que começa a ser trilhado e o boom das low-cost é algo que não pode ser parado e ainda bem.

Por tudo, deixo apenas um conselho,

Senhores Pilotos, hospedeiras, demais pessoal, não tornem a vida mais difícil à Joaninha voadora portuguesa porque, com tanto privilégio caduco a ser reivindicado, qualquer dia nem em Lisboa ela aterra e ainda acabam, como o povinho, na Easy Jet ou Ryan Air... E vão ver que não vos faz mal nenhum;

E um apelo,

Acabem-se os clubinhos, pois eles são parolos ao máximo! E chateiam...

quinta-feira, janeiro 14, 2010

Nuvem, palavras, Termos, Conceitos, ideias, (...), , net, COISAS, sande de leitão

A moda parece que começa a pegar. Depois de se ter reinventado o termo "comentador", ou o seu congénere estrangeiro "opinion maker", nesse suposto repositório de sabedoria que é o "politólogo" - a pressupor uma etiqueta de ciência académica com direito a formação equivalente em instituição de ensino superior -, a última palavra em "inovação", na análise do discurso político, passa pelo "conta-palavras".


"Conta-palavras" é o termo mais simples que encontro para, realmente, poder descodificar algo que apenas é cosmeticamente complexo. Basicamente, pega-se num discurso político, vê-se quantas vezes as mesmas palavras são usadas e daí tiram-se as conclusões mais estapafúrdias que se possam imaginar. Sinais de mudança na abordagem aos temas que estão na agenda, decisões escondidas nas subtilezas do vocábulo usado - apenas ligado ao contexto concreto, na medida em que isso sirva para sustentar as conclusões pessoais de quem assim comenta -, e até mesmo, quiçá, declarações de amor ao iphone.


No final, mercê da oferta gráfica que todos os recursos cibernéticos proporcionam, faz-se uma grande nuvem de palavras e chama-se-lhe "análise semântica" ou outra coisa do género.


Levada ao extremo, tal análise semântica até nos poderá dar respostas acerca do que é que a pessoa que discursa está a pensar em fazer para o seu jantar.


Contudo, a par de tanta sofisticação, esta estrutura de produção do comentário político pode esconder em si, ainda que não de modo consciente, um efeito secundário pernicioso.


É que, lembrando-me mais uma vez do Orwelliano 1984 - ou será 2010? -, este tipo de novilíngua tem, na sua raiz fenomenológica, o potencial de contribuir para a simplificação do espírito crítico do receptor da mensagem.


Numa lógica supostamente dedutiva e em última análise, poderemos até vir a funcionar apenas nos seguintes moldes exemplificativos: europa ---> união europeia -----> tratado de lisboa -----> progresso ----> governo ----> este governo ----> bom ----> excelente ----> estabilidade -----> continuar ----> permanência -----> não saímos -----> continuamos no poder -----> ad aeternum.


Fácil, não é?