E lá foi o Dia Internacional da Mulher uma vez mais festejado, no passado Sábado. Rosas, jantares de grupo e saídas com a marca implícita de "Girls Only" - tudo isso a contribuir para a cor local que preencheu o País, um pouco por toda a parte.
Um marco da luta pela emancipação e reconhecimento dos mais básicos direitos democráticos, cívicos e pessoais das mulheres, o sentido esta efeméride sempre passou, a meu ver, pela natural e merecida homenagem a todos os movimentos que levantaram barricadas em tal combate, frequentemente desigual; procurando, por outro lado, dar um alerta para o incumprimento ainda latente de muitas obrigações assumidas e devidas pelos poderes públicos soberanos e eleitos em sufrágio, lá está, universal.
Quer-me, pois, parecer curioso, o rumo que foi dado a tais comemorações, numa pequena vila deste jardim à beira-mar plantado.
De facto, nesta tal simpática vilazinha da Sertã - mais recentemente em destaque devido ao jogo para a Taça de Portugal, que opôs o Sertanense ao FCP - a homenagem pública que a edilidade decidiu levar a cabo teve como protagonistas "quatro mulheres do concelho da Sertã cujo percurso de vida foi marcado pelo sacrifício de criar uma descendência familiar maior que o habitual". Nas palavras do Presidente da Autarquia "esta homenagem afigura-se como uma forma de demonstrar consideração e estima pelo papel desempenhado pelas mulheres na sociedade, em especial à mulher-mãe”.
Ora, primeiro que tudo, entendo por bem deixar claro que o fruto desta minha inusitada curiosidade nada tem que ver com a verdadeira bondade de tais intenções. Na verdade, tenho para mim que tais preocupações foram mesmo valoradas a ponto de se sentir necessidade em premiar os referidos percursos de vida.
Contudo, ao ser-me permitida a crítica, não posso também deixar de entrever aqui um caminho que se abre para um paternalismo que em nada se coaduna com os propósitos de um fenómeno (precisamente, o da emancipação feminina) que sempre se mostrou em contra-corrente com tal estado de coisas, ora posto em destaque por via da referida homenagem. É que, na verdade, a realidade social que deu origem a tais experiências vivenciais sempre correspondeu a quadros familiares em que a mulher se encontrava num estado de pura subjugação, objecto - nunca sujeito - dos mandos e desmandos do chefe de família - o único a quem seriam reconhecidos, de modo pleno, todos os direitos civis.
Entenda-se também - em tempos tão exigentes nos moldes em que a opinião é expressa - que não me refiro em especial ou concreto a nenhuma das homenageadas.
É, pois, apenas um exercício de reflexão este que proponho:
Pelo menos três destas quatro mulheres viveram numa época em que, caso tivessem manifestado vontade de ganhar o seu próprio salário, precisariam sempre da autorização do marido para assinar um simples contrato de trabalho - assim estava previsto no Código Civil, antes da sua Reforma em 1977.
Pelo menos três destas quatro mulheres, caso tivessem sido vítimas das piores formas de coacção moral, psicológica ou mesmo sexual e decidissem sair de casa, poderiam ainda vir a ser sujeitas a uma maior humilhação pública: também o Código de Processo Civil anterior à Revolução de Abril, previa um expediente processual que se dava pelo nome de "Processo para Entrega de Mulher Casada".
Pelo menos a três destas quatro mulheres, pouca ou nenhuma legitimidade processual era reconhecida nos processos de divórcio - algo que sofreu igualmente profundas alterações legislativas, a partir de 1977.
Pelo menos três destas quatro mulheres foram contemporâneas de outras tantas que certamente passaram por tais dificuldades, criadas por um sistema que pouca ou nenhuma dignidade constitucional reconheceu a tais direitos fundamentais "no feminino".
E, por outro lado, que dizer da total ausência de uma verdadeira política de planeamento familiar e educação sexual, nunca assumida por poderes autoritários de tempos idos e tributários de um certo regime confessional conservador?
Enfim, apenas me parece pertinente deixar bem claro que, na minha opinião, o Dia da Mulher tem como propósito homenagear algo mais do que o eventual resultado de um possível, porque naqueles moldes concebível, estado de opressão que é para todos nós hoje tido como impensável, tacanho e retrógado.
Contudo, volto a repetir: a intenção é louvável e não deixa de ser um começo para a correcção de tudo aquilo que ainda faz parte de uma realidade social que não proporciona o mesmo tipo de igualdades ou apenas impõe uma redutora opção, porque não colocada num plano de livres escolhas.
Dizendo de outro modo, a maternidade - também hoje mais do que nunca a merecer um olhar atento do Estado Social, no sentido da criação de condições para o seu livre exercício - não tem de ser a única escolha possível.
É apenas uma escolha entre todas aquelas outras que às mulheres deve ser reconhecida, porque pares de pleno direito desta nossa "res publica".
Se assim não se pensasse, de que serviria a palavra "emancipação"?
À beira da Catedral, na esplanada, um debate de ideias.
Um marco da luta pela emancipação e reconhecimento dos mais básicos direitos democráticos, cívicos e pessoais das mulheres, o sentido esta efeméride sempre passou, a meu ver, pela natural e merecida homenagem a todos os movimentos que levantaram barricadas em tal combate, frequentemente desigual; procurando, por outro lado, dar um alerta para o incumprimento ainda latente de muitas obrigações assumidas e devidas pelos poderes públicos soberanos e eleitos em sufrágio, lá está, universal.
Quer-me, pois, parecer curioso, o rumo que foi dado a tais comemorações, numa pequena vila deste jardim à beira-mar plantado.
De facto, nesta tal simpática vilazinha da Sertã - mais recentemente em destaque devido ao jogo para a Taça de Portugal, que opôs o Sertanense ao FCP - a homenagem pública que a edilidade decidiu levar a cabo teve como protagonistas "quatro mulheres do concelho da Sertã cujo percurso de vida foi marcado pelo sacrifício de criar uma descendência familiar maior que o habitual". Nas palavras do Presidente da Autarquia "esta homenagem afigura-se como uma forma de demonstrar consideração e estima pelo papel desempenhado pelas mulheres na sociedade, em especial à mulher-mãe”.
Ora, primeiro que tudo, entendo por bem deixar claro que o fruto desta minha inusitada curiosidade nada tem que ver com a verdadeira bondade de tais intenções. Na verdade, tenho para mim que tais preocupações foram mesmo valoradas a ponto de se sentir necessidade em premiar os referidos percursos de vida.
Contudo, ao ser-me permitida a crítica, não posso também deixar de entrever aqui um caminho que se abre para um paternalismo que em nada se coaduna com os propósitos de um fenómeno (precisamente, o da emancipação feminina) que sempre se mostrou em contra-corrente com tal estado de coisas, ora posto em destaque por via da referida homenagem. É que, na verdade, a realidade social que deu origem a tais experiências vivenciais sempre correspondeu a quadros familiares em que a mulher se encontrava num estado de pura subjugação, objecto - nunca sujeito - dos mandos e desmandos do chefe de família - o único a quem seriam reconhecidos, de modo pleno, todos os direitos civis.
Entenda-se também - em tempos tão exigentes nos moldes em que a opinião é expressa - que não me refiro em especial ou concreto a nenhuma das homenageadas.
É, pois, apenas um exercício de reflexão este que proponho:
Pelo menos três destas quatro mulheres viveram numa época em que, caso tivessem manifestado vontade de ganhar o seu próprio salário, precisariam sempre da autorização do marido para assinar um simples contrato de trabalho - assim estava previsto no Código Civil, antes da sua Reforma em 1977.
Pelo menos três destas quatro mulheres, caso tivessem sido vítimas das piores formas de coacção moral, psicológica ou mesmo sexual e decidissem sair de casa, poderiam ainda vir a ser sujeitas a uma maior humilhação pública: também o Código de Processo Civil anterior à Revolução de Abril, previa um expediente processual que se dava pelo nome de "Processo para Entrega de Mulher Casada".
Pelo menos a três destas quatro mulheres, pouca ou nenhuma legitimidade processual era reconhecida nos processos de divórcio - algo que sofreu igualmente profundas alterações legislativas, a partir de 1977.
Pelo menos três destas quatro mulheres foram contemporâneas de outras tantas que certamente passaram por tais dificuldades, criadas por um sistema que pouca ou nenhuma dignidade constitucional reconheceu a tais direitos fundamentais "no feminino".
E, por outro lado, que dizer da total ausência de uma verdadeira política de planeamento familiar e educação sexual, nunca assumida por poderes autoritários de tempos idos e tributários de um certo regime confessional conservador?
Enfim, apenas me parece pertinente deixar bem claro que, na minha opinião, o Dia da Mulher tem como propósito homenagear algo mais do que o eventual resultado de um possível, porque naqueles moldes concebível, estado de opressão que é para todos nós hoje tido como impensável, tacanho e retrógado.
Contudo, volto a repetir: a intenção é louvável e não deixa de ser um começo para a correcção de tudo aquilo que ainda faz parte de uma realidade social que não proporciona o mesmo tipo de igualdades ou apenas impõe uma redutora opção, porque não colocada num plano de livres escolhas.
Dizendo de outro modo, a maternidade - também hoje mais do que nunca a merecer um olhar atento do Estado Social, no sentido da criação de condições para o seu livre exercício - não tem de ser a única escolha possível.
É apenas uma escolha entre todas aquelas outras que às mulheres deve ser reconhecida, porque pares de pleno direito desta nossa "res publica".
Se assim não se pensasse, de que serviria a palavra "emancipação"?
À beira da Catedral, na esplanada, um debate de ideias.
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