quarta-feira, julho 23, 2008

Ficções

"Do androids dream of electric sheep?" - esta a pergunta que serve de mote - e bem assim, de título - ao clássico da ficção científica escrito na década de sessenta do século passado, por Philip K. Dick.
Transposto para a Sétima Arte por Ridley Scott, com o nome de "Blade Runner - Perigo Iminente", o romance conta a história de Rick Deckard (Harrison Ford), um oficial da polícia de S. Francisco e caçador de prémios. O seu trabalho, "retirar" o maior número possível de andróides humanóides, em fuga dos mundos coloniais, não registados nas Companhias que os produzem, para uma Terra devastada pela Guerra Mundial de 1992.
E é precisamente pela demanda de Rick Deckard que nos vamos apercebendo de um dos elementos-chave do cenário cultural em que a trama se passa. Na sua actividade de "assassino licenciado e remunerado", tendo como alvo tais "imitações" da vida humana, Deckard anseia, pelo menos no início de tudo (no fim contenta-se com um batráquio artificial), ganhar dinheiro suficiente para comprar um animal vivo, verdadeiro - o símbolo genuíno de alto estatuto social e meio único para alcançar alguma felicidade num mundo à beira da extinção - sequela natural de um holocausto nuclear ainda a digerir por todos quantos cá ficaram. Deste modo, ao ganhar o prémio pela captura do primeiro dos Nexus-6 (último modelo de andróide) que com ele se vão inevitavelmente cruzando, Rick usa-o para a compra de uma cabra núbia - a digna sucessora do seu carneiro eléctrico que tem partilhado, nos últimos anos, o telhado do prédio onde reside com um poltro Percheron, verdadeiro, propriedade do seu vizinho. Contudo, tal aquisição - altamente dispendiosa de acordo com o catálogo da Sydney que Deckard traz sempre consigo - é logo deitada por terra, literalmente. Rachel Rosen, também uma Nexus-6, ao dar-se conta de que sempre ocupa o último lugar na escala de empatia pessoal do nosso herói, inconformada com isso mesmo, empurra a cabra de Deckard, prédio abaixo, matando-a, claro está.
Ora, foi a pensar nesta história, assim brevemente resumida - tendo acabado, recentemente, de ler o livro - que aqui há dias me deparei com este simpático e sorridente gnomo de cerâmica, no café onde costumo ir, cá na Sertã.
Ao subir as escadas que dão acesso à parte mais recatada do estabelecimento, esta sorridente personagem, lá está, "eléctrica" e dotada de um qualquer sensor de movimento, logo garbosamente assobia, em jeito de piropo, ao cliente que se assoma a uma mesa para tomar uma bica ou beber uma água.
E se o assobio pudesse fazer realmente lembrar um tropical papagaio, verdadeiro, certo seria que tal estado de coisas só traria dores de cabeça ao proprietário do estabelecimento. Senão vejamos: que proprietário de estabelecimento hoteleiro se arriscaria, nos dias que correm, a abrilhantar o seu espaço com um exemplar deste tipo de aves tão astutas? A resposta: nenhum. Na verdade, o mais provável seria a pronta autuação, pelas entidades fiscalizadoras da salubridade e do gosto, de tais prevaricadores das normas higiénicas ditas "vigentes".
Assim, aqui temos este "Gartenzwerg", que não suja, não diz asneiras - outro aspecto a ter em conta, dado que os papagaios gostam de imitar tudo o que ouvem (o que aqui seria sempre um embaraço, dado o uso abundante e corrente do vernáculo) - e sempre avisa sobre a entrada de mais um ou vários convivas, predispostos, com toda a certeza, a "fazer despesa".
Sempre se pode pensar que realmente o futuro, afinal, não podia ter resultado tão mais diferente do que o previsto e imaginado!... Ficções...

3 comentários:

Anónimo disse...

Depois do anão de jardim, só o flamingo cor-de-rosa.

Anónimo disse...

Ou então um Menino de Bruxelas na esplanada.

Anónimo disse...

No meio de um chafariz. Bem lindo e uma excelente alternativa à sereia.