domingo, dezembro 24, 2006

E é Natal



Tinham rumado a Nova Iorque.

Desde muito jovem que ele conservava uma atracção especial por todo o glamour que a Big Apple ganhava, de modo particular, nesta altura do ano.

De mãos dadas pela Quinta Avenida, sentiam-se como duas crianças numa loja de doces.

Em estilizados sacos de cartão grosso, algumas prendas e muitos mais mimos que trocariam nessa noite;

Coisas simples - discos, livros, perfumes, uma garrafa de um cabernet tinto e trufas (tal como no seu mais recente passado a dois, com a Torre por pano de fundo) -, mas que lhes diziam bastante e que fariam para sempre parte da sua vida a dois.

Ela estava sublime naquele entardecer tão cosmopolita. A gola alta e os tons de preto do casaco de macia lã grossa realçavam-lhe o esguio pescoço que culminava no tal sorriso por onde ele se perdia sempre, perdendo o nexo ao discurso, embatucando contemplativamente naquela beleza petrarquista.

Aquele mesmo olhar d'esmeralda ganhava agora traços ainda mais firmes de um quente aconchego, de um entusiasmo seguro e alegre e de uma Felicidade estonteante.

Após o jantar no Le Cirque, na Lexington Avenue, decidiram escapulir-se ao concerto para que já tinham reservas e deambular pelas ruas.

"E que tal irmos andar de patins no gelo?" - perguntou ele.

"Mas nós nunca patinámos" - respondeu ela, surpreendida com aquela resolução.

"Não tem problema. Vamo-nos apoiando um ao outro" - sugeriu, logo dizendo de seguida em tom subliminar: "Eu não te deixo cair".

Ela sorriu; acenando disse: "Vamos. Vou-te ensinar algumas passadas!"

Alugaram dois pares e aventuraram-se no ringue, que já contava com algumas pessoas.

Ouvia-se música de Natal a ecoar.

Após algumas pioretas e deslizes bagatelares a tempo apoiados, lá acertaram o seu centro de gravidade, dando as mãos e fazendo algumas voltas ao ringue;

Foram ganhando confiança e ensaiaram passos de uma valsa que, entretanto, se fazia ouvir.

Parecia que tinham sido transportados até à época dos "Folhinhos"...

O contentamento que estava estampado no rosto dela era indescritível.

A serenidade, a intensidade com que ela sentia aquele pequeno prazer de se perderem, simplesmente, a patinar numa das mais ricas metrópoles do mundo, fazia-o, logo num primeiro momento, intuir que, agora sim, tinha encontrado a sua verdadeira cara-metade!

Sempre sonhou poder partilhar o encanto dos pormenores com alguém que os visse, tal como ele, como pequenos polaroids que fazem recordar muito mais do que aquilo que mostram.

Esse alguém era ela, sem dúvida!

Dançaram por longos minutos, que lhes pareceram horas, num enlevo de elegantes movimentos que ela lhe ia ensinando, tal como prometido, mercê de outros experientes tempos de juventude.
Os segredos que lhe ia confiando ao ouvido, levavam-no às estrelas que brilhavam e caiam, por entre os altos prédios, na escuridão daquela noite decorada em mesclados e argêntuos tons dourados.

O único desejo por ele pedido: Que estivesse sempre à altura!!!

Um momento alquímico de uma Felicidade transbordante estava ali a acontecer, uma vez mais!

Tal como o primeiro, uma agradável sensação do mais Puro Êxtase!!!

E era assim que ali se encontravam dois amantes que sabiam acumular ao seu Tesouro Privado pequenos pedaços de uma descontracção e espontaneidade ímpares;

Tudo numa entrega ímpar, em que todas as barreiras se desmoronavam para sempre!

A música estava a acabar.

Olharam nos olhos um do outro e não disseram nada.

Estiveram ali um para o outro e nenhum deles caíu no chão de gelo frio.

Sabiam que eram um do outro, desde sempre!

E que esta era realmente uma Noite Feliz de um Natal apenas comparável ao seu primeiro passado juntos!

sexta-feira, dezembro 01, 2006

Ser Portugal!


D. Bartolomeu de Gusmão
, homem religioso e da Ciência teve, um dia, um sonho: construir uma máquina de voar, um aparelho "mais leve que o ar".Com a ajuda de dois amigos - Baltasar Sete-Sóis, soldado maneta com gancho e Blimunda Sete - Luas, rapariga com misteriosos poderes - , um casal de desvalidos dessa Lisboa do princípio do séc.XVIII, foi dando forma ao projecto, num pavilhão abandonado e convertido em oficina, ali para os lados de Mafra, onde sua Majestade EL - Rei D. João V tinha iniciado as obras de um Convento para os frades franciscanos - como contrapartida de suposta graça divina para o nascimento de um Herdeiro ao Trono, que, ao tempo, tardava em chegar.

A estranha máquina ia tomando formas - um misto de caravela com a figura de uma águia.

Contudo, um pequeno pormenor persistia: D. Bartolomeu de Gusmão não fazia a menor ideia do modo pelo qual aquele objecto de tanto engenho, arte e tempo dispendidos levantaria vôo e, ainda mais importante, se susteria no ar, por forma a apanhar o vento de feição e assim conquistar os céus de Portugal e da Europa, trazendo para o Reino ainda mais Glória por feitos nunca dantes alcançados.

Protegido do Soberano, Frei Bartolomeu rumou até às Sete Províncias Unidas do Norte - vulgo Holanda - com uma ideia: aprenderia tudo o que a fina arte da Alquimia lhe tinha para ensinar acerca de tal complexa empresa, nunca antes vista.

Ao privar com a nata dos mestres, versados em tais mistérios, que por ali viviam e estudavam nessa altura, chegou a Lisboa com a resposta:

Ao que parecia, teria de arranjar um certo e determinado número de esferas de âmbar, as quais, por seu turno deveriam conter uma preciosa e enigmática substância: A VONTADE.

Duas mil vontades deviam encher as esferas de âmbar; estas, colocadas na Passarola - assim se chamava tal aparelho aeronáutico - atrairiam o Sol, provocando uma reacção em cadeia que permitiria a ascensão da Passarola aos céus e ao Sonho tornado realidade.

Mas, o problema persistia: D. Bartolomeu de Gusmão sabia o que era a Vontade, qual a sua fonte e essência, mas entrevia colossais obstáculos em tomar contacto com ela; era como o éter, algo que não se apreende ao olhar, nem ao toque, nem ao cheiro e nem ao sabor dos comuns mortais.

A Vontade partilhava da alma das pessoas - seria como a linfa está para o sangue que nos corre nas veias.

Qual a sua forma? Ninguém sabia...

Até que um plano astucioso começou a ser delineado por este nosso frade.

Ao que se sabe, Blimunda Sete Luas possuía um dom: em jejum, conseguia olhar para dentro das pessoas, contemplando o seu mais profundo interior. Por exemplo:
Uma mulher de esperanças - o feto estava virado com a cabeça para cima, o parto seria doloroso.

Frei Bartolomeu pediu, pois, a Blimunda que fosse comungar à missa que D. João V mandou rezar em Mafra, em semana pascal, com vista à sagração da capela que seria ali construída como parte integrante do Convento.

O seu mestre alquimista contou-lhe que havia alguns que entendiam ser possível ver a Vontade na óstia consagrada, já que esta conteria em si o corpo e o espírito de Cristo.

Blimunda assim fez.

"Que foi que viste, Blimunda?" - perguntou-lhe - "Que forma tem a Vontade".

Ela respondeu: "É como uma nuvem cinzenta... carregada e fechada".

D. Bartolomeu tinha a resposta.

Por essa altura, a peste marcava a sua presença na capital. A mortandade era grande e os moribundos, tementes a Deus, procuravam o seu último conforto na oração, na companhia do padre e dos seus entes queridos e vizinhos.

Deste modo,

O cientista jesuíta enviou, este casal para o meio deste povo em agonia, a fim de lhe colher, precisamente, as duas mil vontades necessárias para fazer acontecer o Sonho.

Baltasar e Blimunda jejuante entravam nas casas onde a peste tinha batido à porta. Assim que ela notava que a Vontade se estava a libertar da matéria, que era o corpo de quem dava o último suspiro, fazia sinal a Baltasar que, com um frasco de fino vidro, a retinha no seu interior.

Duas mil vontades eram precisas e duas mil vontades foram colhidas.

Após a decantação desse precioso elemento nas esferas de âmbar, as mesmas foram instaladas na Passarola, segundo o método contido no projecto.

A Passarola voou e causou admiração aos pedreiros das obras do Convento, que se ajoelharam à sua passagem.

Um homem sonhou e a sua "res" tornou-se nisso mesmo - em realidade.


Este pequeno relato sempre me serviu para fazer uma pequena analogia.
Nestes tempos em que comemoramos a Restauração da Independência de Portugal, não poderia deixar de depositar aqui o meu tributo à memória de quem, um dia, teve o sonho de uma Nação e reuniu as tais "duas mil vontades", para que o mesmo voasse, tomasse forma, se tornasse em mestre de metade do Mundo e assumisse a sua condição de comunidade humanista e fraterna que ainda hoje vai sendo.

A ideia de um Soberano como Chefe de Estado é tida para mim como a devida homenagem que todos nós, enquanto Portugueses, devemos prestar, com orgulho e na certeza de que somos ouvidos, àquele que um dia se lembrou que devíamos ser País:

Uma verdadeira "res publica", em que aquela figura será sempre tida como o repositório de todos os anseios e desejos colectivos relativamente aos conceitos de bem-estar, justa repartição da riqueza e livre exercício dos direitos fundamentais - princípios estruturantes de qualquer Estado de Direito.

Numa altura em que o País se encontra mergulhado numa densa bruma de desalento, crise económica e confusão ideológica, as considerações acerca das virtudes da forma de Estado monárquica adquirem uma maior premência.

O Rei será sempre tido como essa última linha de defesa das garantias da verdadeira realização da Liberdade, Igualdade e Fraternidade (é curioso, não é?), a que temos direito.

E isto porquê?

Ideologicamente descomprometido, apenas a ele poderá caber a tarefa - realizada sem qualquer reserva mental, alimentada por alguma estratégia eleitoralista -, de apontar ao chefe do governo escolhido democraticamente as qualidades e os defeitos de determinada política;

Ninguém melhor do que o Soberano, educado desde jovem para tal, para ouvir os cidadãos, que, até para mais, nesse diálogo o referendam numa base diária.

Que sejamos Portugal novamente!

Que cumpramos esse Desígnio de se fazer saber no Mundo que ainda há um Português vivo em Portugal!



VIVA EL-REI!!!