D. Bartolomeu de Gusmão, homem religioso e da Ciência teve, um dia, um sonho: construir uma máquina de voar, um aparelho "
mais leve que o ar".Com a ajuda de dois amigos - Baltasar Sete-Sóis, soldado maneta com gancho e Blimunda Sete - Luas, rapariga com misteriosos poderes - , um casal de desvalidos dessa Lisboa do princípio do séc.XVIII, foi dando forma ao projecto, num pavilhão abandonado e convertido em oficina, ali para os lados de Mafra, onde sua Majestade EL - Rei D. João V tinha iniciado as obras de um Convento para os frades franciscanos - como contrapartida de suposta graça divina para o nascimento de um Herdeiro ao Trono, que, ao tempo, tardava em chegar.
A estranha máquina ia tomando formas - um misto de caravela com a figura de uma águia.
Contudo, um pequeno pormenor persistia: D. Bartolomeu de Gusmão não fazia a menor ideia do modo pelo qual aquele objecto de tanto engenho, arte e tempo dispendidos levantaria vôo e, ainda mais importante, se susteria no ar, por forma a apanhar o vento de feição e assim conquistar os céus de Portugal e da Europa, trazendo para o Reino ainda mais Glória por feitos nunca dantes alcançados.
Protegido do Soberano, Frei Bartolomeu rumou até às Sete Províncias Unidas do Norte - vulgo Holanda - com uma ideia: aprenderia tudo o que a fina arte da Alquimia lhe tinha para ensinar acerca de tal complexa empresa, nunca antes vista.
Ao privar com a nata dos mestres, versados em tais mistérios, que por ali viviam e estudavam nessa altura, chegou a Lisboa com a resposta:
Ao que parecia, teria de arranjar um certo e determinado número de esferas de âmbar, as quais, por seu turno deveriam conter uma preciosa e enigmática substância: A VONTADE.
Duas mil vontades deviam encher as esferas de âmbar; estas, colocadas na Passarola - assim se chamava tal aparelho aeronáutico - atrairiam o Sol, provocando uma reacção em cadeia que permitiria a ascensão da Passarola aos céus e ao Sonho tornado realidade.
Mas, o problema persistia: D. Bartolomeu de Gusmão sabia o que era a Vontade, qual a sua fonte e essência, mas entrevia colossais obstáculos em tomar contacto com ela; era como o éter, algo que não se apreende ao olhar, nem ao toque, nem ao cheiro e nem ao sabor dos comuns mortais.
A Vontade partilhava da alma das pessoas - seria como a linfa está para o sangue que nos corre nas veias.
Qual a sua forma? Ninguém sabia...
Até que um plano astucioso começou a ser delineado por este nosso frade.
Ao que se sabe, Blimunda Sete Luas possuía um dom: em jejum, conseguia olhar para dentro das pessoas, contemplando o seu mais profundo interior. Por exemplo:
Uma mulher de esperanças - o feto estava virado com a cabeça para cima, o parto seria doloroso.
Frei Bartolomeu pediu, pois, a Blimunda que fosse comungar à missa que D. João V mandou rezar em Mafra, em semana pascal, com vista à sagração da capela que seria ali construída como parte integrante do Convento.
O seu mestre alquimista contou-lhe que havia alguns que entendiam ser possível ver a Vontade na óstia consagrada, já que esta conteria em si o corpo e o espírito de Cristo.
Blimunda assim fez.
"Que foi que viste, Blimunda?" - perguntou-lhe - "Que forma tem a Vontade".
Ela respondeu: "É como uma nuvem cinzenta... carregada e fechada".
D. Bartolomeu tinha a resposta.
Por essa altura, a peste marcava a sua presença na capital. A mortandade era grande e os moribundos, tementes a Deus, procuravam o seu último conforto na oração, na companhia do padre e dos seus entes queridos e vizinhos.
Deste modo,
O cientista jesuíta enviou, este casal para o meio deste povo em agonia, a fim de lhe colher, precisamente, as duas mil vontades necessárias para fazer acontecer o Sonho.
Baltasar e Blimunda jejuante entravam nas casas onde a peste tinha batido à porta. Assim que ela notava que a Vontade se estava a libertar da matéria, que era o corpo de quem dava o último suspiro, fazia sinal a Baltasar que, com um frasco de fino vidro, a retinha no seu interior.
Duas mil vontades eram precisas e duas mil vontades foram colhidas.
Após a decantação desse precioso elemento nas esferas de âmbar, as mesmas foram instaladas na Passarola, segundo o método contido no projecto.
A Passarola voou e causou admiração aos pedreiros das obras do Convento, que se ajoelharam à sua passagem.
Um homem sonhou e a sua "res" tornou-se nisso mesmo - em realidade.
Este pequeno relato sempre me serviu para fazer uma pequena analogia.
Nestes tempos em que comemoramos a Restauração da Independência de Portugal, não poderia deixar de depositar aqui o meu tributo à memória de quem, um dia, teve o sonho de uma Nação e reuniu as tais "duas mil vontades", para que o mesmo voasse, tomasse forma, se tornasse em mestre de metade do Mundo e assumisse a sua condição de comunidade humanista e fraterna que ainda hoje vai sendo.
A ideia de um Soberano como Chefe de Estado é tida para mim como a devida homenagem que todos nós, enquanto Portugueses, devemos prestar, com orgulho e na certeza de que somos ouvidos, àquele que um dia se lembrou que devíamos ser País:
Uma verdadeira "res publica", em que aquela figura será sempre tida como o repositório de todos os anseios e desejos colectivos relativamente aos conceitos de bem-estar, justa repartição da riqueza e livre exercício dos direitos fundamentais - princípios estruturantes de qualquer Estado de Direito.
Numa altura em que o País se encontra mergulhado numa densa bruma de desalento, crise económica e confusão ideológica, as considerações acerca das virtudes da forma de Estado monárquica adquirem uma maior premência.
O Rei será sempre tido como essa última linha de defesa das garantias da verdadeira realização da Liberdade, Igualdade e Fraternidade (é curioso, não é?), a que temos direito.
E isto porquê?
Ideologicamente descomprometido, apenas a ele poderá caber a tarefa - realizada sem qualquer reserva mental, alimentada por alguma estratégia eleitoralista -, de apontar ao chefe do governo escolhido democraticamente as qualidades e os defeitos de determinada política;
Ninguém melhor do que o Soberano, educado desde jovem para tal, para ouvir os cidadãos, que, até para mais, nesse diálogo o referendam numa base diária.
Que sejamos Portugal novamente!
Que cumpramos esse Desígnio de se fazer saber no Mundo que ainda há um Português vivo em Portugal!
VIVA EL-REI!!!
3 comentários:
Bem... A minha vontade não está em nenhum frasco...nem que o Rei desse autorização...:) Isto é um misto de "Memorial do Convento" e "Leviathan"... Precisávamos de um verdadeiro D.Sebastião, mas com 100% das características "mitológicas" que lhe apontam. De repente, olho para D.Duarte de Bragança e penso..."Hmmmm...viva a República..."
Grato, Sub-Lodo! O debate assim se lança. De facto, é uma estória retirada de "O Memorial do Convento". D. Sebastião até nem tinha grandes qualidades. Prefiro D. João II ou D. João V. Quanto ao frasco... Lol! Portugal é esse frasco de vontades - livres e que não esquecem quem lhes deu identidade! Viva a "res publica", sob o alto patrocínio de Sua Majestade o Rei, para o Bem de Portugal!
Curioso serem as vontades/almas de moribundos a levantar a dita passarola...
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