É numa certa linha de serenidade argumentativa, a encapotar um qualquer programismo higienista, que
este artigo, a meu ver, se insere. Tudo porque, por um lado, nenhum fumador, pelo menos pelo que tenho lido e conversado, pensa como este senhor antropólogo diz pensar - nenhum fumador entende ser esta lei algo de verdadeiramente violador dos seus direitos fundamentais, era só o que mais faltava.
O que os fumadores entendem, e apenas por mim posso falar, é que se verificam dois defeitos nesta lei. Dois simples mas preocupantes defeitos:
1. Tal como o senhor antropólogo soube reconhecer, para lá das adjectivações que achou por bem empregar (é sempre bom contar com o diáfano manto das metáforas, para não dizer o que realmente se quer), existem lacunas na lei, relativamente aos aspectos concretos em que se pode praticar o regime de excepção conferido.
De facto, consagra-se a possibilidade de escolha do proprietário de um estabelecimento com uma área inferior a cem metros quadrados, entre ser aquele espaço para fumo ou livre do mesmo. Tudo o que tem de possuir é o tal equipamento de extracção autónoma de fumo.
Contudo, é aqui que se nota uma certa má-fé de quem legisla: um ano, se não mais! Um ano, senão mais tempo, tiveram os autores da presente lei para que com a mesma tivesse sido aprovada a respectiva regulamentação, incluindo a homologação de um equipamento, fosse ele qual fosse. É que, na verdade, e sei porque falo com alguns proprietários de estabelecimentos, o que tem vindo a imperar é uma incómoda dúvida por parte daqueles - ninguém sabe ao certo qual exaustor devem comprar, uma vez que as entidades competentes pela fiscalização (nem a elas lhes compete, certamente), nenhuma informação possuem. Devido a quê? Lá está, à lacuna.
Foi, assim, com este plano engenhoso que a inteligência higiniesta conseguiu o falso sucesso desta lei: muitos estabelecimentos optaram pela opção FUMO ZERO, porque tacitamente coagidos, não querendo arriscar, de modo nenhum o pagamento de pesadas coimas. Acredite o senhor antropólogo, quando fala do Café Tropical, que a sua frequência de fumadores rondará os noventa por cento! Certamente que o proprietário começa a sentir os efeitos. Não há sinais de fumo, nem de consumo!
E sabe também o senhor antropólogo que o café de excelência da vida universitária dos seus colegas, mesmo ao lado do Café Tropical, tinha esse mesmo tipo de clientela. Dois cafés tipicamente universitários, que, não querendo discutir qualquer mérito desta iniciativa legislativa (nunca foi o caso), provavelmente teriam querido que o senhor tossisse à vontade ou usasse a esplanada, mas que também não abdicariam da sua clientela habitual - que é fumadora sim! E fumar não é doença! Ninguém rouba, mata, viola ou extorque para fumar! PAGA IMPOSTOS, ISSO SIM!
E isso também não se contesta.
Em resumo, os fumadores apenas exigem uma regulamentação clara - uma regulamentação que a lei prevê e que, lá está, protege os seus direitos!
2.
Um segundo ponto que se revela preocupante é que agora se dá a todos o direito, que antes nem se pensava poder ter, de se intrometerem na vida de quem fuma. E não se fala em denunciar infracções. É correcto que se o faça. Embora também não acredite, para infelicidade dos não fumadores, que haverá assim tantas prevaricações. Como disse, não somos criminosos. Do que falo é do semblante com que agora somos vistos nesse ar livre, onde certamente o carro do senhor antropólogo liberta a flatulência mecânica: somos vistos como criminosos.
Isso mesmo me confessou uma empregada da pastelaria que costumo frequentar acerca de uma cliente, UMA SEMANA ANTES DO NOVO ANO! "Olhavam para ela como um criminosa!"
É disto que falo, do gosto que este povo tem, habituado assim, infelizmente durante mais de 40 anos, em ser delator, cioso do seu indicador de unha ruída, alimentando-se voyeuristicamente da suposta desgraça dos outros. Enfim, pode ter a certeza o senhor antropólogo que ninguém fumará ao pé dele... Quer dizer, se conseguir alguma bolsa de estudo para estudar os Índios da Amazónia talvez apanhe com uns fumos (já Cristóvão Colombo e os nossos Descobridores falavam de tal hábito relativamente aos ameríndios) - olhe, talvez assim consiga ter uma visão diferente.
De resto, concordo com a lei e ainda mais com a sua urgente regulamentação!